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Zen + fotografia = haicai

09/10/2011 / Ana Mello

 

Vazio + silêncio + melancolia

Nas artes japonesas encontra-se muito o conceito de MA. Este fonema expressa algo como o vazio, a distância ou o espaço, mas um vazio no sentido potencial de expressão. É característico nas artes visuais japonesas deixar um respiro, um espaço em branco, um algo a mais para ser preenchido pelo observador. No haicai isso se manifesta, além de sua brevidade, na não objetividade descritiva que "feche" o poema e o entregue pronto para o leitor. É também preciso evitar o "raciocínio em excesso" e deixar que a intuição capte o momento presente que se transformará em haicai ou em foto, em especial os temas da solidão, do silêncio e da melancolia.


 

Meu cachorro velho
Ouvindo com interesse
O canto do verme

Décio Pignatari

Ah, se me volto
Esse transeunte já
Não é senão bruma


Misoaka Shiki
(1867-1902)
 

Copa de árvore
Cada folha cita outra
Outono apaga

Wladimir Fontes


 

Transitoriedade
+ simplicidade
+ pobreza

Outro conceito essencial ao haicai é o wabi-sabi, que seria o apreço pela temática do cotidiano, as mais simples e banais constatações de uma realidade que é reconhecidamente imperfeita e transitória, numa clara influência do zen-budismo que ignora (ao contrario do Ocidente) a pompa, os floreios e os exageros retóricos. A beleza está não no grande, mas no pequeno; não do duradouro, mas no transitório: pobreza e simplicidade é que são valorizadas como beleza. Um tema comum à fotografia é o banal, como a foto de uma poça dágua ou da simplicidade dos espaços e dos seres.


 

Confira
Tudo que respira
Conspira


Paulo Leminski


Cerimônia do chá
Três convidados
E um mosquito


Alice Ruiz


Os Tristes
Em seus caramujos
Os tristes sonham silêncios
Que ausência os habita?


Helena Kolody


 

Humor
+ interações
+ nonsense


A característica do zen-budismo que melhor se adaptou ao Brasil foram as situações surreais, o nonsense que acompanha o humor. Também vem do zen-budismo o sentido criado a partir da contradição.

Na realidade do cotidiano podemos nos deparar com situações absolutamente estranhas e dar sentido a elas, observando a partir de nossa subjetividade como poetas, fotógrafos ou artistas em geral, interações entre coisas e pessoas que não estão na verdade acontecendo, como por exemplo uma estátua que parece espiar para dentro do prédio.

Assim como em muitas fotos, os haicais são resultados de insights que surgem num dado instante, sacadas que percebemos e registramos no momento.

 

 

Fonte: Revista Língua Portuguesa