Prosa e Poesia

Atrás da cortina

Ana Mello



Poderia ser um conto, mas não é, aconteceu de verdade, faz pouco tempo.

Todos os dias, a qualquer hora, quando alguém chegava, ela estava espiando por detrás da cortina. Era assim a vizinha de uma amiga minha. Os vizinhos desconfiavam que ela tivesse algum problema de saúde, pois nunca a viam na rua. Alguns diziam que ela saia muito cedo, fazia compras em algum lugar distante e retornava em algum momento que ninguém percebia.


O problema é que todos juravam que a cortina mexia sempre, então quando ela dormia? Nestes momentos de compras não poderia ter ninguém em casa. Quando a mudança chegou ninguém viu. Simplesmente apareceram cortinas novas na janela. A misteriosa mulher da cortina não recebia jornais, nem cartas, não conversava com ninguém.


A mãe da minha amiga resolveu que faria uma aproximação e daquele dia em diante acenava para a janela toda vez que saia ou entrava no prédio. A cortina tremia, uma sombra passava de um lado para o outro e mais nada.


Meses depois, quando ela quase tinha desistido, uma mão acenou pelo vão da cortina. Ela não hesitou, foi até o apartamento e tocou a campainha. Quando já estava quase desistindo de esperar a porta abriu e uma simpática velhinha atendeu, convidando-a para entrar. Tudo muito arrumadinho e combinando. No sofá da sala outra velhinha, igual a que atendeu a porta, gêmea da primeira.


Não falavam com ninguém porque são do interior e não falam português corretamente, falam alemão. Mas a amizade já foi multiplicada e todos no prédio acenam para elas que já estão com as cortinas abertas.


A mãe da Lili, minha amiga, diz que agora costuma acenar sempre quando percebe alguém escondido atrás de uma cortina.

 

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