Prosa e Poesia
Quando se vive um grande amor
Ana Mello
Vivemos embriagados na própria felicidade. O sol aquece mais, a lua é linda e estamos protegidos pelo divino benefício da vida. Tudo é mais fácil, as dúvidas são passageiras, somos mais fortes, mais amigos, mais solidários.
Acreditamos no mundo e nas soluções impossíveis. Não existe utopia, apenas sonhos possíveis que podem demorar um pouco, mas acabam por se realizar. Existe fé.
Eu tive esse privilégio e de alguma forma sempre soube que eu deveria viver cada segundo. Não deixei de tomar nenhum café na cama com ele, nem de dar um beijo de até depois como se fosse o último. Todas as vezes que ele saiu primeiro de casa fui até a janela acenar e dar um sorriso. Quando ele saia de motocicleta eu fazia um sinal, batendo com o indicador na testa, dizendo a ele que usasse a cabeça, dirigisse com segurança. Ele respondia com sinal positivo e um sorriso que sabia dar como ninguém.
Nunca quis que ele mudasse em nada por imposição minha. Não quis transformá-lo em um homem só meu. Se ele quisesse mudar, que fosse para seu bem, para seu crescimento, e eu seria apenas parte disso, uma mulher que o amava e queria ser companheira de um homem melhor.
Nunca tive ciúmes doentios, só aquele que faz manha e diz acho que tu não me amas mais como antes. Ele tinha total liberdade e se estava comigo era por gosto e vontade.
Antes da última viagem de moto, coisa que ele amava fazer, ele disse que estava em dúvida, pois minha mãe estava doente e poderia falecer neste tempo que ele estaria fora. Falei para ele que todos podem morrer a qualquer hora e isso não pode nos impedir de viver. Ele sorriu feliz e disse que então iria viajar.
Na madrugada do dia que ele morreu, falamos muito. Geralmente falávamos a noite. Por mensagem, porque o companheiro de quarto estava dormindo e ele não queria atrapalhar. Ele mandou as fotos de Cusco, uma cidade que ele amou e me disse: Nós dois já somos um. Eu me grudo em ti.
Acho que foi um privilégio este momento. Algo além do cotidiano, além desse mundo simplista em que vivemos. Lembrei-me da cruz andina que ele levava no pescoço desde a última viagem a Machu Picchu. A cruz simboliza o cruzeiro do sul. A constelação Cruzeiro do Sul, o principal ponto de entrada para mundos paralelos. É considerado um portal interdimensional uma viagem. A ligação do leste e do oeste, a linha horizontal, é o símbolo do sol nascente no leste e se põe no oeste. Também se refere ao tempo de vida biológico do nascimento até à morte. A linha vertical de norte a sul é um símbolo de espírito descendo à matéria, a evolução espiritual da humanidade em direção a nossa verdadeira natureza vivida na ausência de tempo.
Por tudo isso, pelo que diz meu coração, sei que estaremos sempre juntos e que a morte não é nada.
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